sábado, 16 de julho de 2011

O futebol no dia a dia de Montevidéu

Ouve-se constantemente que a vida imita a arte e vice-versa, mas, muitas vezes, não consideramos que muitas outras situações também são interdependentes. Aprende-se e entende-se melhor isso até mesmo sem querer, como ocorreu na visita que fiz ao museu Al Pie de la Muralla, em Montevidéu, no Uruguai. Questionei uma das funcionárias sobre a existência de comunidades indígenas entre os, aproximadamente, 3,3 milhões de habitantes do país. Ela afirmou que no Uruguai não é possível encontrá-las organizadas e protegidas, o que detona uma sensível diferença na comparação com o Brasil e mesmo com a Argentina.

Os moradores originários foram dizimados durante o processo de colonização espanhol na região ou não resistiram aos extenuantes trabalhos escravos aos quais foram submetidos pelos representantes mediterrâneos. Uma das mais conhecidas etnias uruguaias, os charrúas, é lembrada por seu espírito guerreiro e sua inconformidade com a perda da liberdade, o que levou aos sangrentos combates que resultaram em seu extermínio. No entanto, sua imagem positiva acabou sendo trazida para os dias atuais e associada à seleção nacional de futebol.

Estátuas em homenagem aos charrúas, a mais conhecida
etnia no Uruguai (foto: Fritz Follmer/Panoramio.com)

A conhecida e propagada raça daqueles que também são conhecidos como a Celeste Olímpica não poderia ser relacionada a outro símbolo de forma tão precisa, vinculando dois orgulhos nacionais pela apropriação de um valor tão caro aos habitantes do pequeno país ao norte do Rio da Prata. Afinal, ainda que seja prudente evitar os chavões empregados por inúmeros comentaristas esportivos que resumem o futebol sul-americano, em especial na Argentina e no Uruguai, como apenas garra e catimba, não se pode ignorar a determinação demonstrada por seus jogadores do início ao fim das partidas.

Algumas figuras, presentes nas lembranças do público brasileiro, identificam-se mais ainda com esse perfil, como o zagueiro Diego Lugano, que atuou durante três anos no São Paulo e há cinco temporadas disputa o Campeonato Turco e a Liga dos Campeões da Europa pelo Fenerbahçe. Lugano é um exemplo de como é possível conciliar a qualidade técnica com disposição ilimitada pelas disputas de bola. E na VTV, emissora local de televisão, foi possível acompanhá-lo na quinta-feira, 23 de junho, em amistoso disputado entre sua seleção e a balcânica Estônia.

No confronto, na cidade de Rivera, os charrúas despediram-se de seus torcedores antes da viagem para a participação na Copa América Argentina 2011. Na ocasião, em que assisti à partida junto a, pelo menos, mais quatro uruguaios no Boulevard Sarandí Hostel, os atuais semifinalistas da Copa do Mundo mostraram porque são a seleção com mais entrosamento e melhor disposição e variantes táticas dentre aquelas que entram na competição iniciada em 1º de julho. A atuação do trio de ataque, formado por Diego Forlán, Edinson Cavani e Luis Suárez, com as constantes trocas de posição entre eles, demonstra claramente a possibilidade de se atuar no esquema 4-3-3, sem, necessariamente, ter dois pontas e um centroavantes fixos.

Estádio Centenário de Montevidéu, palco da final
da primeira Copa do Mundo, em 1930

O jogo contra a Estônia terminou 3 a 0 e a vitória uruguaia, no entanto, aconteceu um dia depois à frustração sofrida por uma das duas maiores torcidas da capital e do país. Os carboneros, como são conhecidos os fanáticos pelo Peñarol, empurraram o time, seja no Pacaembu ou nos bares montevidenhos, rumo à sexta conquista da Copa Libertadores da América.

A esperança de reviver uma conquista que não alcançavam desde 1987 manteve-se até o último minuto, mesmo que os torcedores soubessem que o Santos apresentava mais qualidade técnica. A expectativa diminuiu aos dois minutos do segundo tempo com o gol de Neymar e quase se desvaneceu com o tento de Danilo, mas reacendeu e provocou uma comemoração bem sul-americana com o gol contra de Durval, aos 34 minutos.

Os gritos e batidas nas mesas do bar, point quase inescapável das baladas às quintas, sextas e sábados, ressoaram até o fim, impulsionadas pela pressão imposta pelo Peñarol até o término do jogo. A derrota deixou um gosto um pouco amargo no ambiente e a transmissão no Pony foi interrompida após acompanhar a pancadaria ocorrida após o apito final e a premiação carbonera. Nada, portanto, de ver o clube da Vila Belmiro carregar a taça de tri da América.

Na Peatonal Sarandí, no caminho de volta, alguns garotos que, provavelmente, voltavam de ver a partida perguntaram-me se era ‘por Peñarol’, ao que respondi, sinceramente, que sim. Sei lá também se não fosse e dissesse que era ‘por Nacional’, afinal sabe-se muito como é a paixão clubística e a rivalidade em todos os cantos do planeta bola.

"La hinchada" do Peñarol em um dos jogos 
do time  (foto: site peñaroleterno.com)

Na tienda (loja), era possível encontrar os modelos mais atuais dos dois gigantes charrúas e da Celeste Olímpica, mas, como no Brasil, os preços se aproximavam do equivalente a R$ 170,00. Mas as camisas dos demais clubes locais podiam ser encontradas por um valor bem mais convidativo, como, por exemplo, R$ 65,00. E para os loucos por futebol tornavam-se duas vezes mais interessante, pela economia e pela raridade e quase exclusividade dessas peças em qualquer lugar de onde viessem.

Mais interessante seria descobrir um pouco mais acerca da história desse clube, o Rampla Juniors Fútbol Club, campeão nacional uma única vez, em 1927, ainda na época do amadorismo e que, como a quase totalidade das demais equipes da 1ª divisão, é da capital federal. Mas, como na Primera Argentina, as rivalidades entre bairros tornam-se nacionais em função do âmbito de disputa das competições e, no caso dos rubroverdes, ela ocorre com o Cerro, nome também da região da sede de ambos.

E o palco de muitos dos épicos duelos nacionais, o Estádio Centenário, seria um dos pontos de visita nessa permanência de uma semana no Uruguai, mas, juntamente com a ida ao Museu próximo ao palco da final da Copa do Mundo de 1930 ficou para uma próxima oportunidade. Uma heresia, dirão alguns.

Afinal, como ignorar esse ponto zero que, além de todo significado histórico, também atrai os turistas por estar ao lado de uma praça onde é possível assistir a uma das mais belas vistas do pôr-do-sol em Montevidéu? Vai que... voltemos lá para acompanhar algum clássico pela Copa Sul-Americana no segundo semestre, ainda mais agora que o futebol uruguaio volta a se destacar como fez e bem até a década de 1980. Dale, Uruguay! Vamos, charrúas!

Leonardo Diniz é jornalista e convidado do Blog Tabelinha E.C.