segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ano novo, dívida nova

por Fábio Rocha

Essa é a realidade de muitos brasileiros após as festas de final de ano. No mundo do futebol não é diferente: a cada temporada as dívidas dos clubes do Brasil aumentam. Não somos nós do Tabelinha Esporte Clube que estamos dizendo, mas sim os números. Em oposição à melhora na economia do país, as finanças da maioria dos clubes estão no vermelho. E a situação vem de muito tempo.

A contratação de jogadores consagrados que atuam na Europa aumentou nos últimos dois anos e se intensificou no final de 2010. As voltas ao futebol brasileiro (em definitivo ou por empréstimo) de jogadores como Ronaldo, Adriano, Robinho, Vagner Love, Roberto Carlos, Deco, Fred e, agora, Ronaldinho Gaúcho podem significar para um leigo que os times estão mais “endinheirados”, o que não se reflete na realidade.


Em 2010, Fred renovou com o Fluminense por cerca de R$ 460 mil mensais.
Clube pagará R$ 150 mil e o restante ficará por conta do patrocinador

Como o balanço de 2010 dos clubes ainda não foi divulgado (os dirigentes têm até o mês de abril de 2011 para apresentá-lo), trabalharemos com os números de 2009. Detalhe: levando-se em conta que os estádios Mineirão e Maracanã estão fechados para reformas visando a Copa do Mundo de 2014, a receita de bilheteria dos clubes mineiros e cariocas ficará ainda menor nos próximos três anos. Dito isso, seria mesmo um bom negócio para os clubes repatriar jogadores da Europa, inflacionando ainda mais os salários no Brasil? Veja os números e tire suas próprias conclusões.

Números da empresa de consultoria Crowe e Howarts, levantados entre os anos de 2004 e 2009, mostram que, entre os 20 times com maiores receitas no Brasil, apenas quatro fecharam as contas no azul no acumulado durante o período: Atlético-PR (R$ 35,282 milhões), São Paulo (R$ 10,947 milhões), Internacional (R$ 7,713 milhões) e São Caetano (R$ 3,649 milhões).

Os outros só deram prejuízo. Os mais deficitários foram o Vasco (- R$ 344,505 milhões), o atual campeão brasileiro Fluminense (- R$ 238,314 milhões), o Atlético-MG (- R$ 166,227 milhões) e o Palmeiras (- R$ 108,382 milhões).

Apostar apenas em jogador-vitrine não resolve

Apesar dos péssimos números, ações de marketing, participação em competições internacionais e, claro, títulos podem ajudar a turbinar as receitas. Entre 2008 e 2009, apenas Corinthians (R$ 16,697 milhões) e São Paulo (R$ 2,670 milhões) fecharam suas contas com saldo positivo. O Corinthians conseguiu alavancar suas finanças após a contratação de Ronaldo, no final de 2008. Vários patrocínios chegaram a reboque e a marca Corinthians ficou valorizada superando a do Flamengo, antes a mais bem avaliada do país. Já o Tricolor do Morumbi aumentou sua receita com o título Brasileiro de 2008 e participações seguidas na Copa Libertadores (atraindo investidores e valorizando os atletas para negociações futuras).




Podemos afirmar também que a vinda de Ronaldo foi tão pontual para o superávit de quase R$ 17 milhões nas contas do Corinthians que, fazendo um comparativo com 2007, o clube paulista fechou aquele ano com prejuízo de mais de R$ 23 milhões, de acordo com a empresa Casual Auditores. Mas será que sempre vai funcionar assim? Toda vez que um craque desembarcar para jogar no Brasil, o clube que o contratou conseguirá reverter os gastos em vendas de camisas e outras formas de marketing? Não podemos dizer que o sucesso do Fenômeno nas finanças se repetiu no campo. Os sérios problemas com a balança e seguidas contusões atrapalharam o atacante no ano do centenário do Timão. O único título de expressão foi a Copa do Brasil, em 2009, e a tão sonhada Libertadores ficou pelo meio do caminho.

Se o Ronaldo se destacasse nos jogos, o Corinthians não poderia lucrar ainda mais? Acho que muitos disseram que sim. Por isso, trazer craques para jogar aqui pode se tornar arriscado. E se o jogador não render? O torcedor ficará desmotivado, as vendas de camisa cairão, o estádio ficará mais vazio e os patrocinadores se afastarão aos poucos.

Rombo quase dobrou em 4 anos

É preciso muito mais que as ações de marketing em cima de apenas um jogador visando o aumento nas receitas, assim como o Flamengo tentará fazer com Ronaldinho Gaúcho. Por isso mesmo, uma auditoria feita em junho de 2010 pela Casual Auditores em associação com a empresa Parker Randall mostrou que os clubes brasileiros profissionais acumulam R$ 2,4 bilhões em dívidas (57% do débito é com o Governo Federal). Só para se ter uma ideia, o relatório mostra que o valor cresce a cada ano e já é quase o dobro de 2006, quando os times deviam “apenas” R$ 1,3 bilhão.

Para não depender tanto de apenas um atleta, uma das saídas seria o investimento dos clubes em ações de marketing da instituição esportiva, ou seja, valorizar a marca sem atrelá-la a um determinado atleta. Assim, a venda de produtos do clube se manterá independentemente da presença do jogador consagrado. Desenvolver um projeto de sócio-torcedor; negociar melhores cotas de patrocínios; enxugar gastos desnecessários dentro do clube. Não precisa ser um expert em marketing para saber que todas essas medidas ajudam nas finanças ao final do ano.

“Investidores” endividam times mineiros

Diante de tantos números negativos, podemos nos perguntar por que alguns clubes iniciaram 2011 investindo em jogadores com salários astronômicos, chegando a competir com os europeus. Será culpa dos chamados “grupos de investidores”? Certo é que cada vez mais os clubes estão dependentes destas empresas e dos bancos – para pagar os altos salários ou para pagar parte dos direitos econômicos do atleta que será contratado.

Virando o foco para Minas Gerais, podemos ilustrar essa situação de empréstimos envolvendo investidores/clubes citando os casos de Atlético e Cruzeiro. O Galo tinha em 2007 uma dívida por Empréstimos em torno de R$ 94 milhões. No ano seguinte, saltou para quase R$ 106 milhões e, em 2009, o clube fechou com R$ 122,5 milhões em débito. É o clube que mais pegou empréstimos no Brasil, segundo o relatório da Casual Auditores.

Com a Raposa os números são bem menores que os do rival, mas a situação não é diferente. De 2007 para 2009, o clube pulou de R$ 10 milhões para R$ 26 milhões em dívidas por Empréstimos. Neste período, o que os dois clubes conquistaram? Absolutamente nada. A não ser que consideremos o Campeonato Mineiro. Mas pelo valor dos investimentos, os clubes não podem considerar campeonato estadual como título.

Números da empresa Casual Auditores mostram o quanto as dívidas de vários clubes cresceu de 2008 para 2009


Argentinos são exemplo negativo

Certo é que a situação tem que mudar, senão em um futuro bem próximo os times brasileiros ficarão quebrados como os argentinos. É só olharmos para os hermanos e perceber o por que Boca Juniors e River Plate não conseguiram se classificar para a Copa Libertadores da América pelo segundo ano consecutivo. E o atual campeão Brasileiro? O Fluminense. O clube carioca tem por trás uma empresa de plano de saúde que injetou dinheiro para formar um super time com contratações e pagamento de parte dos salários de Muricy Ramalho, Deco, Conca e Fred. Tudo bem, o título veio (R$ 8 milhões em caixa). Mas os dirigentes devem se lembrar que apenas esse dinheiro não conseguirá tapar o rombo financeiro no clube, que lidera o ranking dos maiores devedores do país.

Nem 30% dos grandes clubes fecham no azul

Em 2009, de 15 grandes times do Brasil, apenas Atlético-PR, Corinthians e São Paulo ficaram com os cofres no azul. O resto só no prejuízo, de acordo com a Casual Auditores. Mesmo com a boa campanha no Brasileiro daquele ano, o Atlético terminou devendo R$ 23 milhões e 248 mil. E o Cruzeiro com saldo negativo de R$ 24 milhões e 459 mil. Não foi por acaso. Isso já vem acontecendo há algum tempo. Em 2008, dos 21 clubes analisados, apenas seis tiveram superávit (Corinthians, Barueri, São Paulo, Figueirense, Coritiba e Portuguesa), o que corresponde a 28% dos times. Em 2007, apenas cinco clubes não tiveram déficit (Atlético-PR, Juventude, Santos, São Paulo e Barueri), o que dá 23% dos clubes pesquisados. E como as bilheterias ajudam a aliviar as contas, com o fechamento do Mineirão os números de 2010 para Atlético e Cruzeiro tendem a ser ainda pior.

Europeus pisam no freio

Para piorar a situação dos clubes brasileiros, o presidente da Uefa, o francês Michel Platini publicou na terça-feira (11/01) uma espécie de “Fair Play” financeiro para os times europeus. Trata-se de um plano para impor um limite nos gastos dos clubes em contratações de jogadores. O objetivo é que nas próximas duas temporadas (2011/12 e 2012/13), o déficit não supere 45 milhões de euros. Ao longo dos anos, esse valor cairá aos poucos até chegar a zero, ou seja, nenhum clube do Velho Continente poderá dever sob pena de até ficar de fora de competições como Liga dos Campeões e Liga Europa.

Com isso, times comandados por multimilionários como Manchester City e Chelsea, além do Real Madrid, (que gostam de fazer loucuras em contratações) ficarão impedidos de fazer acordos absurdos para adquirir jogadores, ao menos que arrecadem valores aproximados para equilibrar o saldo financeiro (o que se torna praticamente impossível). Desta forma, os brasileiros também deixarão de vender seus craques por preços incrivelmente altos, como foi a negociação de R$ 70 milhões de Robinho, do Santos para o Real Madrid, em 2005.

No mínimo para se pensar, não é cartolagem brasileira.

Ranking dos devedores (números do 1º semestre de 2010):

1º Fluminense - R$ 319,7 milhões
2º Botafogo - R$ 301 milhões
3º Atlético-MG - R$ 293,4 milhões
4º Vasco - R$ 291 milhões
5º Flamengo - R$ 278 milhões
6º Santos - R$ 153,5 milhões
7º Internacional - R$ 142,9 milhões
8º Corinthians - R$ 128,6 milhões
9º Grêmio - R$ 126 milhões
10º São Paulo - R$ 114,1 milhões
11º Palmeiras - R$ 102,6 milhões
12º Cruzeiro - R$ 92,7 milhões
13º Coritiba - R$ 50,4 milhões
14º Atlético-PR - R$ 20,1 milhões

* Crédito foto Fred (pop.com.br)
** Crédito foto Ronado (Reuters)

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