segunda-feira, 5 de março de 2012

Homens Gol: sempre necessários, ainda existentes

Por Leonardo Diniz*

Quem consultar o site de agendamento de partidas de futebol realizadas por grupos fechados Peladeiro.com poderá se deparar com algumas denominações inusitadas e que vem bem ao encontro do assunto dessa postagem. Caso o jogador tenha como característica o faro apurado de gols, ele pode se descrever como Homem Gol, exatamente como Jorge Ben Jor cita na canção Ponta de Lança Africano (Umbabarauma).

E eles estão presentes não apenas nos campos, quadras, arenas e várzeas amadoras por onde desfilam jogadas de todos os estilos, mas também nas principais competições profissionais pelo Brasil e pelo mundo.

As mudanças de posicionamento as quais são submetidos os atletas a fim de se enquadrar nos esquemas táticos adotados pelos treinadores de cada época, a exemplo do popular 4-2-3-1 nos tempos atuais, levam ao surgimento de atletas com perfil distinto ao da época imediatamente anterior.

Talvez não fosse necessário, mas se compararmos as mudanças às quais os boleiros de cada posição tiveram de se adequar desde o antigo WM (2-3-5), passando pelo 4-2-4 da década de 1950, a passagem para o 4-3-3 que dominou a década de 1970, o esquema que deu até nome a uma tradicional publicação inglesa 4-4-2 (Four Four Two) e alcançando o esquema citado no parágrafo acima, constataremos que as funções desempenhadas mudaram razoavelmente.

Mas se houve também alterações na forma como uma equipe se dispõe dentro das quatro linhas, muitas outras continuaram do mesmo jeito e, para alguns, não poderia ser de outra maneira. Essa visão do jogo é defendida por alguns que acreditam que, por exemplo, o papel do centroavante, o mesmo que até há umas duas décadas era facilmente reconhecido o camisa nove do time, deve ser prioritariamente o de marcar gols.

A eficácia do camisa 9 em decisões

O retorno a 2002 pode nos mostrar dois exemplos mais claros do entendimento de como devem atuar os jogadores mais avançados que prevaleceu e ainda prevalece em muitas das agremiações brasileiras e além de suas fronteiras. O Sport Club Corinthians Paulista, vice-campeão brasileiro daquele ano, atuava com um trio de ataque que dificilmente era modificado e que era composto por Deivid, hoje no Flamengo, Leandro, atualmente no Comercial, de Ribeirão Preto, e que estava no Vasco até um mês atrás, e Gil, cujo último clube foi o União, de Mogi das Cruzes, pelo qual disputou a Série B, a 4ª divisão do estadual paulista.

Naquela formação que teria o reforço de Guilherme, atacante que fez história no Atlético Mineiro no fim da década de 1990, no segundo semestre daquele ano, não havia nenhum dianteiro titular com a função de ficar na área à espera de um passe ou cruzamento para finalizar a gol. A equipe paulistana contava, no entanto, com três jogadores muito rápidos e que, à base de muita movimentação, auxiliavam a equipe na incessante troca de passes que a caracterizava sua imensa posse bola e a conclui-la em contra-ataques letais. A alternativa concebida por Carlos Alberto Parreira, treinador à frente do elenco alvinegro durante todo o ano, fora bastante eficaz, especialmente por contar com peças capazes de executar o plano de jogo do comandante tetracampeão.

No entanto, um contra-exemplo ou, melhor dizendo, um exemplo de que não estava sendo implantado um futuro inexorável foi apresentado pelo próprio adversário do então tricampeão brasileiro na decisão daquele Brasileirão. O time que ficou conhecido como o Santos de Robinho e Diego promoveu inúmeros outros jogadores que fizeram e fazem sucesso atualmente nos gramados europeus, como Alex, recém-contratado pelo Paris Saint Germain, Renato, ex-Sevilla e hoje no Botafogo, e Elano, ex-Fenerbahce e Manchester City e atuando pelo Santos. Porém, para que o clube praiano alcançasse sua primeira conquista do campeonato disputado desde 1971, um nome foi super decisivo e não é tão lembrado como seus colegas que disputavam sua primeira edição do torneio, o centroavante Alberto.

Alberto, atacante do Santos, em 2002
(Foto: ahistoriadosantosfc.blogspot.com)
Sem a mesma técnica que se destacava nos companheiros, que lançavam mão de antecipações para desarmar, passavam com precisão em pontos que mesmo o espectador não esperava que eles pudessem imaginar ou realizavam dribles como as famosas pedaladas, o camisa 9 santista anotou 12 gols, incluindo um memorável de bicicleta contra o rival da decisão ainda na disputa da fase de classificação.

Então com 27 anos e não tão badalado como as revelações que surgidas naquele ano, a segunda geração dos Meninos da Vila, o centroavante exercia a função de referência na área para que pudesse atrair a marcação, normalmente, de dois adversários e facilitava o trabalho de seus companheiros que podiam se lançar ao ataque com mais ímpeto e mais chances de sucesso.

E a geração de nomes com seu porte físico e seu posicionamento não se esgotou por ali, ainda que atualmente a exigência para que os adorados ou odiados camisas 9 desloquem-se mais do que antes para escapar das marcações cada vez mais acirradas.

Os matadores brasileiros modernos

A rodada do último final de semana, com clássicos disputados em vários campeonatos estaduais, provou definitivamente que esses “forwards” continuam na ativa. No Choque-Rei, o clássico entre Palmeiras e São Paulo, disputado em Presidente Prudente, contou com dois gols do argentino Hernán Barcos. Um deles, seu primeiro na partida, mas o segundo alviverde, demonstra claramente o papel que se esperava de um jogador como ele antigamente persiste em ser realizado. Após receber a bola de costas, na autêntica proteção exercida por um pivô, “El Pirata” girou sobre a marcação, puxou mais à esquerda e chutou da entrada da pequena área para marcar. Já na segunda finalização que resultaria em gol, o jogador recebeu cruzamento pelo alto, também na pequena área, e sozinho, por ter se antecipado à marcação rival, dominou de primeira e desferiu chute cruzado para fazer o terceiro gol palmeirense.

Montagem feita pela torcida do
Fluminense: "O Fred vai te pegar"
(Foto: inthedarkplanet.blogspot.com)
O que dizer, por exemplo, do centroavante Frederico Chaves Guedes, o Fred, vice-artilheiro do Brasileirão 2011, com 22 gols, um atrás de Borges, do Santos? Autor do segundo gol da vitória do Fluminense sobre o Vasco por 3 a 1, na final da Taça Guanabara, que deu o título do primeiro turno do Campeonato Carioca ao tricolor, o mineiro de Teófilo Otoni é especialista em definir de dentro da área. Não é por menos que ele se notabiliza por liderar o time quando ela mais precisa, a exemplo da recuperação no Brasileirão de 2009, quando o rebaixamento era dado como certo por quem acompanhava de perto o torneio, inclusive por estatísticos, a nove rodadas de seu término, ou na arrancada do Flu rumo ao terceiro lugar do última edição desse torneio nacional. E, cuidado, pois, como diz a massa “Pó de Arroz”, “O Fred vai te pegar”, numa possível alusão e comparação ao personagem Fred Krueger dos filmes de terror, ambos conhecidos por serem implacáveis.

Por que sempre eles?

E para corroborar essa tese em plagas distantes, pode-se atravessar o Atlântico e identificar exemplos no Velho Continente. Na “Terra da Rainha”, um italiano que se notabiliza por preencher as páginas de diversos cadernos dos periódicos ingleses e que não utiliza a camisa 9 é um exemplo de que o número pode ter mudado, mas a função é a mesma e a letalidade idêntica. Em se tratando de Mario Balotelli, camisa 45 do Manchester City, referir a seu grau de perigo pode servir tanto a seu poderio dentro da área como a suas aventuras ou desventuras em sua própria casa, quando, por exemplo, arriscou-se a lançar fogos de artifício de dentro do banheiro.

Polêmico atacante italiano Mario Balotelli
(Foto: mostlyrandomphotoseh.blogspot.com)
Porém, não se pode ignorar que o atacante, que sofreu com algumas contusões durante a temporada e em razão da cultura europeia de promover o rodízio de jogadores a fim de preservá-los para participar plenamente do maior número possível de partidas, é um definidor nato. Autor de 10 gols em 15 partidas disputadas na Barclay’s English Premier League até a data deste post, ele é, apesar de toda a polêmica que o cerca, uma garantia de que, se a bola chegar até ele, o destino é certo e a comemoração também, afinal, inúmeras vezes ele teve o privilégio de levantar a camisa dos citizens e, por baixo, mostrar outra com a frase “Why always me?” (Por que sempre eu?).

E, mesmo que possamos citar uma infinidade de outros nomes, um deles é, atualmente, o maior exemplo de centroavante matador. No Calcio, o ídolo de Udine, Antonio Di Natale, artilheiro das duas últimas edições da Serie A Italiana, com 28 gols em 2009-2010, e 29 gols em 2010-2011, está na liderança, ao lado de Ibrahimović, na corrida dos “capocannoniere” da atual temporada.

Prova de que atuar com um atleta como ele é mais do que o retorno ao passado glorioso lembrado por muitos saudosistas. Contar com um camisa 9 de verdade é a certeza de que, às vezes pode até faltar volume de jogo, mas com uma chance ele irá resolver o jogo e mostrar a que veio.

* Leonardo é jornalista, responsável pelo blog "Norsk A. Angel e os Conversamentos aleatórios" e, quando pode, colabora para este blog.

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